Cada época, como cada idade da vida, tem o seu  secreto e indizível e injustificável sentido de equilíbrio. Por ele  sabemos o que está certo e errado, sensato e ridículo. E isto não é só  visível no que é produto da emotividade. É visível mesmo na manifestação  mais neutral como uma notícia ou um anúncio de jornal. Donde nasce esse  equilíbrio? Que é que o constitui? O destrói? Porque é que se não  rebentava a rir com os anúncios de há cento e tal anos?   (Rebentámos  nós, aqui há uns meses, em casa dos Paixões, ao ler um jornal de  186...). Mas a razão deve ser a mesma por que se não rebentou a rir com a  moda que há anos usámos, os livros ridículos que nos entusiasmaram, as  anedotas com que rimos e de que devíamos apenas rir. O homem é, no corpo  como no espírito, um equilíbrio de tensões. Só que as do espírito, mais  do que as do corpo, se reorganizam com mais frequência. Equilibrado o  espírito, mete-se-lhe uma ideia nova. Se não é expulsa, há nela a  verdade. Porque a verdade é isso: a inclusão de seja o que for no nosso  mecanismo sem que lhe rebente as estruturas. Ou: a coerência de seja o  que for com o nosso equilíbrio espiritual. A verdade é um modo de  estarmos a bem connosco. Mas é um mistério saber o que nos põe a bem ou a  mal. Os anúncios de há cem anos eram ridículos porque sim. Nos meus  escritos de há anos, mesmo nos ensaios, aquilo de que me separo não são  muitas vezes as ideias, a argumentação, mas um certo modo de se olhar  para os argumentos, os problemas, um certo nível humano de encarar as  coisas. Leio um ensaio de há vinte anos e sinto que eu tinha menos vinte  anos. Há um nível etário para a mesma verdade nos existir. A verdade de  que falei há vinte anos é-me exactamente a de hoje; e todavia há um  desfasamento no modo como corri para ela e me entusiasmei com ela e me  comovi com ela. Tudo agora me acontece ainda mas num registo diferente.  Não é em si que as verdades envelhecem: é com as rugas que temos no  rosto e na alma.
Vergílio Ferreira, in "Conta-Corrente 2"
“And so I ask myself: 'Where are your dreams?' And I shake my head and mutter: 'How the years go by!' And I ask myself again: 'What have you done with those years? Where have you buried your best moments? Have you really lived?" Fyodor Dostoyevsky, White Nights
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