“And so I ask myself: 'Where are your dreams?' And I shake my head and mutter: 'How the years go by!' And I ask myself again: 'What have you done with those years? Where have you buried your best moments? Have you really lived?" Fyodor Dostoyevsky, White Nights

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Kaspar Hauser

Pretende este artigo analisar, sob o contexto da ética racionalista, um fato real que se deu na Alemanha, início do século XIX, quando um jovem - Kaspar Hauser (?-1833) - por circunstâncias não devidamente esclarecidas, fora mantido em cativeiro subterrâneo, da infância à adolescência, privado de contato social e sem qualquer possibilidade de alcançar real conhecimento do mundo, até que o momento em que seu algoz o liberta na praça central de Nüremberg.

A história emblemática de Kaspar Hauser tem inspirado, desde então, diversos livros e ensaios literários, psicológicos, lingüísticos, filosóficos, antropológicos, jurídicos etc, além da produção de películas cinematográficas sobre o tema. Para delimitar o campo de ação, a presente pesquisa restringiu-se a duas obras: o romance "Kaspar Hauser ou A indolência do Coração" (1908), do escritor austríaco Jacob Wassermann, e o filme "O Enigma de Kaspar Hauser" (1975), do cineasta alemão Werner Herzog.

Não há como analisar a figura de Kaspar Hauser sem equipará-la ao bom selvagem que habita as teorias do filósofo Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Segundo Rousseau, as ciências - apesar de seu contínuo desenvolvimento - constituem um fator de decadência humana, haja vista que o verdadeiro progresso é de ordem moral. Dizer que o homem nasceu bom e a sociedade o corrompeu não basta, até porque seria impossível retornar ao estado pré-social. Não se trata, portanto, de voltar à natureza primitiva, mas fazer a Essência triunfar sobre a existência.

Em meio a tal contexto há de se perguntar se o homem nasce ético. Se para Platão (427-347 a.C.) o conhecimento já faz parte, a priori, do indivíduo, para Aristóteles (384-322 a.C.) ele somente pode ser adquirido com a experiência concreta, a posteriori. Considerando que a ética, tida como ciência da moral, está envolta em relações psicossociais, a resposta mais plausível a essa indagação seria a de que o ser humano não nasce ético nem antiético, podendo obter - ou não - tal virtude ao longo de seu desenvolvimento sócio-cultural.

O comportamento natural de Kaspar Hauser, como se verá, representa uma crítica ao racionalismo positivista, capaz de atingir e desmontar pretensas verdades preexistentes. Ao desafiar a lógica e todo seu sistema de argumentação racional, assume uma posição contestadora que lhe discrimina perante os outros. Ele não é reconhecido como parte da sociedade, da mesma forma que não se reconhece como parte dela.

Kaspar Hauser foi um espírito livre e preservado, mas submetido a valores que lhe eram estranhos. Tal conflito, como fio condutor das obras homônimas (o filme e o romance), assemelha-se, sob certos aspectos, ao atual conflito bioético. Por isso é que o enigma de Kaspar Hauser, jovem que acabou sendo irremediavelmente marcado pelo estigma social, nunca terá uma resposta convencional.

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sábado, 20 de novembro de 2010

O Amor é um Cão dos Diabos

"De facto não há esperança nenhuma. Estamos presos a um destino singular.
Ninguém nunca encontra o par ideal."

Charles Bukowski, O Amor é um Cão dos Diabos

Don't "try"


Charles Bukowski


Palhaçada

O Obama veio cá pôr a indústria da guerra americana a render, chular o ordenado de mais uns tropas e uns GNR's prá chassina do Afeganistão, e deu uma conferência de imprensa com uma grande narça, que os palhaços do costume patrocionaram. O jornalista da RTP parece uma adolescente histérica a comentar o percurso para o aeroporto, e destaca ter achado os portugueses.., simpáticos... Pudera!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Nenhum psicanalista, em sã consciência, pode negar que um bebê seja antes de mais nada um feixe de nervos. E acolherá como bem-vindas todas as experiências que puderem avançar no conhecimento das bases neurológicas de todas as patologias. Um psicanalista acredita, porém, que o corpo de um bebê jamais sairá de sua condição de organismo biológico se não houver um outro ser que o pilote em direção ao mundo humano, que lhe dirija os atos para além dos reflexos, e principalmente, que lhes dê sentido. Assim, de nada adiantará um organismo absolutamente são se não houver quem o introduza no mundo do humano, vale dizer, da linguagem.

De outro lado, acredita o psicanalista que uma criança com sérios problemas neurológicos encontrará sérias dificuldades para encontrar um piloto capaz de fazer-lhes face. Conclusão: contrariamente a aquilo que se divulgou, e em que as mães das AMAS acreditam, um psicanalista não culpa mãe alguma. Mas a responsabiliza.

Responsabilizar uma mãe significa fazê-la perguntar-se a respeito da parte que lhe cabe na criação de seus filhos. E isto serve, diga-se de passagem, para todas as mães, convenientemente "desculpabilizadas" e desresponsabilizadas pela sociedade de massas, interessada em fazê-las deixarem seus filhos em creches e diante da televisão para correr atrás de novos valores fálicos no mundo do consumo.

Artigo

The Social Network (2010)




Les Bonnes Femmes (1960)


sábado, 6 de novembro de 2010

A Verdade é Amor - Vergílo Ferreira

A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista. Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em. razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a política, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no ódio, que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade.

Vergílio Ferreira, in "Pensar"

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Somos Uma Surpresa Para Nós Próprios

Como serão em privado as pessoas que conhecemos? Quanta surpresa se o soubéssemos. Porque nós, instintivamente, tendemos a julgá-las idênticas dentro e fora de si. Mas o que somos por fora é o que aceitamos que o seja e é o que os outros estabeleceram. Tal fanfarrão na praça pública pode ser um chilro piegas quando lá não está ou um medricas quando a coisa é a sério (Não dizia Aristóteles que os grandes atletas eram maus soldados?). Ou inversamente. O que aceita para si a imagem exterior de um mole, de um tíbio, de um encolhido de comportamento - no interior de si, e quando for caso disso, pode ser um obstinado de dente rilhado. Há um estilo de se ser que se adopta por convenção generalizada, orientação de uma época, obrigação protocolar no modo de nos manifestarmos.

(...) As regras de comportamento em grandezas chegam só à porta da rua ou ao menos da do quarto ou seguramente à da casa de banho. E daí para dentro, vale tudo, ou seja a regra somos nós. E é então que sabemos quem somos ou quem é aquele que consentimos que seja ou em que medida respeitamos em nós o que respeitamos nos outros. Mas nem é preciso talvez entrarmos na nossa intimidade. Quanta farófia se não desfaz em caca quando entra a polícia? Como se aguentaria ela, frente a um pelotão de fuzilamento? Mas o mesmo tipo revelado em fraqueza e enrolado de timidez poderia revelar-se em coragem quando a coisa fosse a doer. Tudo é tão casual. Somos tanto a invenção de nós em cada momento. Tudo é tão em nós uma fortuita conjugação de astros. Somos tão surpresa para nós próprios. Para a coragem ou o amor ou a verdade ou mesmo a inteligência. Ou o simples estar vivo.

Vergílio Ferreira, in 'Pensar'

A Procura nos Outros

Só não se basta a si próprio o que não tem com que se bastar. Assim se explica que ele busque nos outros o que lhe falta em si mesmo. Isto deve estar certo. E todavia pode não estar. O que falta no que encontramos pode não ter que ver com o que lá está, mas com o que lá se procura. O erro está pois no que se não deve procurar. Posso procurar um sistema de ideias onde só encontro uma dose de senso comum. Posso encontrar uma côdea de pão onde procurei um bife com ovo a cavalo. Assim há que ir procurar no fornecimento alheio o que nos falta no próprio - em contentamento, em pacificação, em reconhecimento da glória de que duvido ou não tenho. E no entanto, a ambição puramente individual é à nossa medida que deveria talhar-se. Excepto talvez para o que sustenta essa ambição, ou seja para o que nos sustenta. Mas nesse caso a ambição chama-se justiça e já não é individual. E nesse caso fazem-se revoluções.

Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente IV'

A necessidade



"A necessidade é um mal, mas não há necessidade de viver nela"


Epicuro

Liberdade com Limites

Há muitas espécies de liberdade. Umas tem o mundo de menos, outras tem o mundo de mais. Mas ao dizer que pode haver «de mais» de uma certa espécie de liberdade devo apressar-me a acrescentar que a única espécie de liberdade que considero indesejável é aquela que permite diminuir a liberdade de outrem, por exemplo, a liberdade de fazer escravos.
O mundo não pode garantir-se a maior quantidade possível de liberdade instituindo, pura e simplesmente, a anarquia, pois nesse caso os mais fortes seriam capazes de privar da liberdade os mais fracos. Duvido de que qualquer instituição social seja justificável se contribui para diminuir o quantitativo total de liberdade existente no mundo, mas certas instituições sociais são justificáveis apesar do facto de coarctarem a liberdade de um certo indivíduo ou grupo de indivíduos.
No seu sentido mais elementar, liberdade significa a ausência de controles externos sobre os actos de indivíduos ou grupos. Trata-se, portanto, de um conceito negativo, e a liberdade, por si só, não confere a uma comunidade qualquer alta valia.

Os Esquimós, por exemplo, podem dispensar o Governo, a educação obrigatória, o código das estradas, e até as complicações incríveis do código comercial. A sua vida, portanto, goza de um alto grau de liberdade; contudo, poucos homens civilizados prefeririam viver assim a viver no seio de uma comunidade mais organizada.
A liberdade é um requisito indispensável para a obtenção de muitas coisas valiosas; mas essas coisas valiosas têm de partir dos impulsos, desejos e crenças daqueles que desfrutam dessa liberdade. A existência de grandes poetas confere um certo brilho a uma comunidade, mas não se pode ter a certeza de que a comunidade produzirá grande poesia só pelo facto de não existir uma lei que a proíba. De uma maneira geral, consideramos justo que se obrigue a juventude a ler e a escrever, ainda que a maioria dos jovens preferisse o contrário; fazemo-lo porque acreditamos em bens positivos que só um alto grau de alfabetização torna possível. Mas, ainda que a liberdade não constitua o total das coisas socialmente desejáveis, é tão necessária para a obtenção da maioria delas, e corre tanto o risco de ser insensatamente limitada, que mal será possível exagerar a sua importância.

Bertrand Russell, in "Realidade e Ficção"

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mad Man

Don Draper describes love

Week End (1967)

"A supposedly idyllic weekend trip to the countryside turns into a never-ending nightmare of traffic jams, revolution, cannibalism and murder as French bourgeois society starts to collapse under the weight of its own consumer preoccupations."

IMDB






segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Pickpocket (1959)

Pickpocket é um filme neo-realista com uma história relativamente simples, mas pesado a nível de emoções. O personagem principal rouba carteiras como "profissão", que leva a sério e vai aperfeiçoando. Mais do que uma necessidade, parece ser uma opção, justificada quase politicamente. Mas ao mesmo tempo que Michel nos fascina misteriosamente com uma narração solitária na primeira pessoa que nos vai dando a conhecer o seu pensamento, parece transmitir uma enorme pobreza nas relações sociais, evitando inclusivé a mãe, que se encontra numa situação complicada. Para além de Michel, temos o seu amigo Jacques e a bela Jeanne, a vizinha que toma conta da mãe, e de quem Michel abdica em favor deste. Bresson faz-nos entrar dentro da Paris dos anos 50, na difícil e complicada vida deste homem, perseguido pela polícia, vivendo no limite. Importantes reviravoltas acontecem no final, e só nessa altura compreendemos o real significado do filme. Argumento inspirado em Crime e Castigo, de Dostoievski.

"Michel takes up picking pockets as a hobby, and is arrested almost immediately, giving him the chance to reflect on the morality of crime. After his release, though, his mother dies, and he rejects the support of friends Jeanne and Jacques in favour of returning to pickpocketing (after taking lessons from an expert), because he realises that it's the only way he can express himself..."

IMDB




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